O TESTAMENTO DE


“Em nome de Deus Amém. Eu Leonor Maria Corrêa, achando-me em perfeito juízo, faço meu testamento e minha ultima vontade pela forma seguinte: sou Cathólica, Apostólica Romana, em cuja fé tenho vivido e pretendo morrer. Sou filha legitima do senhor Francisco Corrêa Mirapalheta e de dona Catharina Dias d’ Oliveira, já fallecidos e natural desta Provincia e batizada n’esta cidade. Sou casada face da Igreja com Domingos Faustino Corrêa filho legitimo do Senhor Faustino Corrêa e de dona Izabel de Brum Corrêa, também já fallecidos, de cujo consorcio não tenho filhos e por isso estando sem herdeiros legítimos que me possam suceder em meus bens, disponho da minha meia ação pela maneira seguinte: Deixo livre como se livre nascessem  os escravos pretos: Jose(...), Faustino, Paulo e Jonas, todos de nação, e as creollas Narcisa e Marcolina para servirem aos meus enjeitados que criei e eduquei como se filhos José Domingos Corrêa e Manoel Domingos Corrêa,  até que os referidos escravos e escravas completem, cada um, de per si, a idade de quarenta e cinco anos, conservando-se até então como colonos livres ao serviços daquelles, mas se forem tratados com rigor poderão dar  em compensação uma moradia formal não excedendo a seis mil réis mensaes cada um e por esse fato serão aliviados daquella obrigação de serviço, mesmo da obediência e respeito, até o despacho de sua completa emancipação. Deixo também livre os mulatos Manoel Pitta e Ilfonso, com obrigação de acompanharem seu senhor, meu presado esposo, enquanto vivo e por seu fallecimento, ficarão colonizados a serviço de um de meus  herdeiros designado pelo segundo testamenteiro e na falta pelo terceiro, até completar a referida idade de quarenta e cinco annos podendo igualmente pellos motivos declarados no artigo antecedente, darem aquella forma e por conseguinte ficarão aleviados da obrigação do serviço, mas não da obediência e respeito. Deixo livre os escravos creoullos Joaquim, Pelavo e Matheus, de nação, em poder, hoje, de minha thia Dona Aguida, os quaes por meu fallecimento e do meu presado Esposo ficarão também colonizados e ao serviço de um dos meus herdeiros designado pela forma acima, pelo tempo prescripto e com os mesmos direitos de indenização dos serviços. Deixo livre e para acompanharem seu Senhor, meu presado Esposo, as escravas, Mães Thereza, Anna, Julianna, Marinha, Joanna Velha e Silvana, com sua filha a creoulla Fermina e assim mais a creoulinha, filha da creoulla Joanna que com esta ficará a serviço dos meus referidos engeitados até que somente a sobredicta Joanna complete a idade de quarenta e cinco annos, findos ao qual não só esta como sua filha ficarão em completa liberdade e livres de onus e sempre com aquellas mesmas garantias concedidas a favor dos outros durante os annos de serviços.

Deixo livre também para acompanhar seu Senhor, meu presado esposo, enquanto vivo, as mulatas Izabel, Joaquina, Delfina e Victória, e por sua morte gozarão de plena liberdade sem onus algum. Deixo igualmente livre a mulatinha Justina filha da mulata Victória, com a mesma obrigação da mãe, dando-se aquela um dote para seu casamento um conto de réis, e sua educação eu confio ao meu presado esposo. Deixo escravos como são incapazes de serem livres o mulato Gesuino, creoullo Ignácio, o sapateiro, porém por comiseração limito a escravidão dos dous primeiros até que elles completem a idade de  cincoenta annos, e os segundos pelo prazo de oito annos a contar do meu fallecimento. Deixo os mulatos Guilherme, Belarmino, Pedro Fellipe, Thomáz e Francisco, filho da creoulla Marinha, a este último cem rezes de cria e aquelles cincoenta rezes a cada um, e meia légua de campo para todos no lugar que se lhes designar e que será repartido e em igualdade desfrutarão em comum. Deixo a conciência e filantropia de meu presado esposo a regosijo e beneficiencia das infelizes mulatas e demais escravos, por mim beneficiados, e com especialidade dos escravos velhos, que tanto nos ajudarão a ganhar a fortuna que possuimos devendo com todos em geral o dever, gratidão e humanidade, distribuir beneficios, proteção e amparo e da minha parte pelas mesmas razões disporá a favor delles, de dose contos de réis fazendo a distribuição como entender de justiça revertendo para a santa Casa de Misericordia d’esta cidade a parte que tiver tocado a cada um delles que venha a fallecer sem pai ou filhos (...). Deixo a meus já mencionados enjeitados Jose Domingos Corrêa e Manoel Domingos Corrêa metade da propriedade nesta cidade, que presentemente ocupa meu compadre Cannarin e seu genro João fazendo frente para a rua da Praia e para a rua da Boa Vista e uma légua quadrada de campo a cada um no lugar que eleger meu presado esposo ou quem o representar sendo fallecido e quatrocentas rezes de cria a cada um não podendo dispor desse legado enquanto não casarem e tiverem filhos legitimos e caso algum falleça estando já de posse do legado, se solteiro ou casado sem filhos, no primeiro caso passarão todos os bens que ainda existir do referido legado, e no segundo a meação dos mesmos, para a Santa Casa de Misericordia d’esta cidade. Deixo para minha afiliada Thereza, filha de meu compadre Luis Cordeiro um conto de réis. Deixo para minha sobrinha Dona Maria de Lurdes Hidalgo dous contos de réis. Deixo para minha afiliada, filha do meu compadre Doutor João Batista de Figueredo Mascarenhas dous contos de réis. Deixo para minha afiliada Margarida, filha do meu compadre Pininoche um conto de réis. Deixo para meu afiliado, filho de meu compadre Antonio, por alcunha “Catharineta’ morador na ponta da Lagoa da Botta, cincoenta rezes de cria. Deixo para meu afiliado Francisco Antonio Lopes quatro contos de réis. Deixo para a Santa Casa de Misericordia d’esta cidade dez contos de réis. Deixo para a ordem terceira da Nossa Senhora do Monte do Carmo, dous contos de réis que serão aplicados privativamente para a sua nova Igreja, de que tanto necessita. Deixo para nova Igreja de Nossa Senhora do Thaim, digo da Conceição do Thaim minha padroeira um conto de réis, cuja quantia não poderá Ter outra aplicação, salvo se for para o cemitério e se nelle se fizerem catacumbas reclamadas pela necessidade, para jazigo dos mortos. Deixo para a data de casamento de cinco orphãos pobres a eleição do Provedor e Mesários da santa Casa de Misericordia d’esta cidade, isento de affeição particulares ou patronato sempre prejudicial, e com exclusos dos enjeitados à cargo da mesma Santa Casa, cinco contos de réis distribuidos em egualdade. Declaro que fica pertencendo ao meu presado esposo Domingos Faustino Corrêa, enquanto vivo, o usufructo de todos os bens de minha meação, ficando elle a liberdade de adiantar aos legatários que quiser os seus legados, se isso for de sua vontade, e o mesmo quanto aos herdeiros, sem que a isso possa ser constrangido por motivo algum que não seja o de passar a segundas nupceas ou dissipação de sua fortuna em prejuízo das minhas disposições o que não é de se esperar a tanto a sua probidade, juízo e discernimento comprovado por longos annos em que felizmente vivemos felizes (...). Declaro que se algum dos escravos a quem dou liberdade durante a vida de meu presado esposo cometer crimi de ingratidão devidamente comprovado em processo legal ficará sem effeito para com esse ou com todos os beneficios que lhe faço e como escravo que ficará sendo, delle meu presado esposo poderá dispor livremente como se tal beneficio nunca existisse. Quando passar desta para melhor vida o meu enterro e funeral será feito como vou dispor: o meu corpo será colocado em um caixão forrado de preto sem adereço e luzes e será conduzido a Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo de que sou irmã e ahi depositado na Eça da mesma Ordem e no dia seguinte se canthará officio e missa de corpo presente e serei conduzida ao cemitério por seis irmãos terceiros das carmelithas pobres e necessitados a quem se dará a esmola de cincoenta mil réis a cada um. Distribuir-se-ão enquanto meu corpo presente pelos pobres e miseraveis dous constos de réis o que será feito por pessoa de inteira probidade para não ser iludida esta minha disposição. Recomendo que se evithe todo o aparato pomposo no meu funeral, e pelo contrário, tudo se faça simplesmente e com aquella humildade que caracteriza o bom cristhão.Mandar-se dizer setecentas missas de esmola de costume, duzentas pela alma de meus paes e irmãos, duzentas pelas almas do purgatório e pelas almas dos meus parentes, e cem pela alma de meus escravos. Satisfeitas todas estas minhas disposições instituo herdeiros da minha meação em iguaes partes os meus irmãos Evaristo Corrêa Mirapalheta, Francisco Corrêa Mirapalheta e Joaquim Corrêa Mirapalheta e quando algum seja fallecido aos filhos destes não se contemplando outros irmãos nesta instituição por não serem necessitados e sim abastados em fortuna. Nomeio para meu testamenteiro em primeiro lugar meu presado esposo Domingos Faustino Corrêa; segundo Jacintho de Brum da Silva e terceiro Serafim Jose Silveira aos quaes peço e rogo haja de aceitar esse meu testamento para cumprirem as minhas disposições e ultima vontade e para esse fim a cada um de per si e a todos de impor habilitados em juizo e fora delle quanto em direitos e necessário. Por esssa forma dei por findo meu testamento e ultima vontade que quero que se cumpra e guardes-se como nelle se contem (...). vai por mim dictado e escrito por Manoel de Souza Azevedo que o fez a meu pedido o qual li e assigno, por estar conforme, nesta cidade de Rio Grande, aos quatro dias do mês de maio de mil oitocentos e cinquenta. Leonor Maria Corrêa” (fls. 341v./350v. – 2º volume – série B).

4ª Vara Cível - Comarca de Rio Grande - Estado do Rio Grande do Sul

Fonte: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - http://www.tj.rs.gov.br/institu/memorial/o_processo.doc

 

 

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